sábado, 13 de julho de 2024

Ziraldo Presenteou Cidade Natal com Acervo de Millôr e Coreto Pedido a Niemeyer


Folha de São Paulo - edição: 08/04/2024
 

    São Paulo – Um sorridente Menino Maluquinho acena para quem passa pela BR-116 na altura de Caratinga, a cerca de 300 km de Belo Horizonte, no leste de Minas Gerais. Com dez metros de altura, a escultura do garoto travesso que usa uma panela na cabeça sinaliza aos viajantes que os quase 90 mil habitantes da cidade não esquecem seu conterrâneo mais ilustre, Ziraldo Alves Pinto. 
     Tampouco o cartunista, que morreu no último sábado (6), aos 91 anos, abandonou sua terra natal. Lembrado de forma perene no monumento de seu personagem mais conhecido e em uma casa de cultura que leva seu nome, Ziraldo falava com frequência do município em entrevistas e esteve diversas vezes na cidade. 
     Foi na adolescência que o já artista - ele publicou seus desenhos pela primeira vez em jornal aos seis anos - saiu do interior mineiro para viver no Rio de Janeiro. Voltou a Caratinga para terminar o colegial e depois foi para Belo Horizonte, estudar na Faculdade de Direito da UFMG. Formou-se em 1957 e, em seguida, fixou-se em solo carioca. 
    Ao se radicar no Rio, seguia o caminho de gerações anteriores de escritores mineiros, como a de Carlos Drummond de Andrade e a dos chamados cavaleiros do apocalipse — Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. 
     “Minas era pequena para o tipo de artista que eu pretendia ser”, disse em entrevista em 1997. “Não tinha nenhuma hipótese de eu fazer história em quadrinho aqui.” 
     Um dos últimos registros de uma visita dele a Caratinga é de 2015, quando esteve no Casarão das Artes para inaugurar o Espaço Millôr Fernandes, que abriga o acervo pessoal do escritor, desenhista e um amigo de Ziraldo. 
     Segundo a mantenedora do casarão, estão lá mais de 5.000 livros do artista carioca doados pelo filho, Ivan Fernandes, a pedido de Ziraldo. Acompanhado do parceiro de O Pasquim, Millôr visitou o município mineiro nos anos 1960. 
     Outra gentileza concedida por um amigo ao caratinguense é o coreto hexagonal Ronaldinho Calazans, instalado na praça Cesário Alvim, na década de 1980. 
    Era o próprio Ziraldo quem costumava contar que Oscar Niemeyer fez o desenho a seu pedido - o Iepha, órgão de patrimônio do estado, lista a obra como sendo de “autoria atribuída” ao arquiteto. 
     Em 2012, em homenagem aos seus 80 anos, Ziraldo foi recebido com um desfile de estudantes de todas as escolas da cidade, divididos em alas que representavam fases de sua vida e obra. Outros conterrâneos famosos, como a jornalista Míriam Leitão e o cantor Agnaldo Timóteo, estavam ao lado dele. 
     “Foi apoteótico. Sabe aqueles desfiles de Sete de Setembro? Assim fizeram para o Ziraldo”, conta o cartunista Edra, 64, criador da Casa Ziraldo de Cultura e do Salão Internacional de Humor de Caratinga. 
     Fundado em 2009, o espaço hoje é gerido pela prefeitura e realiza exposições, lançamentos e outros eventos com o objetivo de promover artistas locais. “Ziraldo dizia: é só o meu nome, mas a casa é de todos os artistas de Caratinga.” 
     Edra, que também é autor de “90 Maluquinhos por Ziraldo: Histórias e Causos”, pela editora Melhoramentos, e outros livros sobre o ídolo, vem se dedicando nos últimos anos a uma pesquisa sobre publicações da imprensa local a respeito de Ziraldo, desde o nascimento, em 1932. 
     “E tudo o que os grandes jornais publicavam naturalmente a imprensa de Caratinga também reportava”, ressalta. Segundo ele, o acervo coletado mostra que a intensidade da ligação do artista com a cidade não era da boca para fora. “É emocionante. Ele realmente falava muito de Caratinga, ele vinha aqui, ele interferia em tudo”, conta Edra, citando como exemplos o posicionamento do artista em discussões sobre salário de professores e até sobre a reforma do jardim de uma praça polêmicas que sempre terminavam em afago, relata. “Sempre o que prevalecia era o amor de Ziraldo por Caratinga e, automaticamente, o amor de seus conterrâneos por ele”, afirma. 
     Foi também Ziraldo que desenhou alguns dos primeiros cartazes do Salão de Humor, dedicado a cartuns, charges, caricaturas e quadrinhos, cujo prêmio máximo é o Troféu Pererê outra homenagem declarada. Em junho, o evento terá a sua 19ª edição. “Um dia ele me disse: até quando eu morrer eu quero fazer os cartazes do salão”, recorda Edra. Cumpriu a promessa até quando pôde. A prefeitura decretou luto de sete dias e lamentou a morte em nota: “Sua genialidade e contribuições para a cultura brasileira continuarão a brilhar em nossos corações”. (Daniela Mercier)

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