quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Texto de Apresentação do Cartunista Edra para o Livro "90 Maluquinhos Por Ziraldo"


Edra é o organizador do livro "90 Maluquinhos por Ziraldo"
Editora Melhoramentos / 2023


Desde o primeiro momento 
 percebi que ele era único 


     Sou natural de Caratinga, o único da minha família e tenho muito orgulho disso. O caçula de três irmãos que são, assim como os meus pais, naturais de Carangola, ambas simpáticas cidades do interior de Minas. 
     Desde garoto, sempre gostei de ler revistas e jornais. Na época, já com o dom para o desenho, as ilustrações e as charges naturalmente despertaram-me uma atenção especial. Logo comecei a fazer os meus quadrinhos e cartuns, mas não mostrava para ninguém, engavetava tudo. À medida que fui me aprofundando no assunto, passei a distinguir melhor a qualidade de cada trabalho. 
     E, antes mesmo de saber que o Ziraldo também era caratinguense, deparei-me com alguns de seus trabalhos... Foi aquele impacto! Que plasticidade nos traços! As figuras pareciam brotar das páginas, uma estrutura narrativa arrojada, enquadramento, perspectivas, luz, ângulos. Os balões, as onomatopéias, as letras totalmente de estilo próprio. E as mãos? Ah, as mãos! Quanta expressão! 
     Encantei-me e, quanto mais eu ia conhecendo sua produção, mais percebia que estava entrando num universo de criatividade que não teria fim. Conforme não teve mesmo. O cara é de um talento exuberante. Entre outras áreas que se propôs atuar, nunca foi mais um e sempre se colocou na prateleira de cima em todas elas, simplesmente em todas! 
     Mudou todo o meu conceito de histórias em quadrinhos quando cheguei à mata do fundão e fui conhecendo um por um dos personagens e as aventuras da Turma do Pererê. Na adolescência, deparei-me com o jornal O Pasquim, outra grande identificação. Daí por diante, passando por Flicts até chegar ao Menino Maluquinho, fui me acostumando a constantemente me ver diante de uma nova produção sua, sempre com sucesso fabuloso. Ao longo da minha vida, o multifacetado artista me inspirou e procurei levar a minha arte com o profissionalismo que eu enxerguei nele. Contudo, não tive nenhuma influência do mestre em termos de estilo ou traço. Desde o primeiro momento percebi que ele era único, distante anos-luz de quase todos os seus pares. Isto, para mim, foi muito positivo, não carreguei esta carga comigo. Tracei, literalmente, o meu caminho e conquistei o meu espaço. 
     Depois de dez anos atuando na imprensa de Brasília, voltei para Caratinga, disposto a dar o verdadeiro reconhecimento da representatividade do Ziraldo e o valor da sua obra para os quadrinhos, a imprensa, a literatura e a educação em nosso país. Incomodava-me muito o fato da nossa cidade, ainda não ter nenhuma referência significativa para ele em plena terra natal. 
     A primeira homenagem aconteceu quando eu realizei o primeiro Salão de Humor de Caratinga em 1998, dando o seu nome ao troféu destinado aos premiados do evento. Nos anos seguintes, foi instituído com a denominação de Troféu Pererê. Na sexta edição, em 2004, quando Ziraldo conheceu pessoalmente o evento, ficou encantado e passou a fazer todos os seus cartazes. Fomos parceiros na cartilha ‘Como são feitas as leis’ e, ao aceitar o convite de participar na coautoria em dois livros que eu organizei (“Uma ‘doze’ de Humor Mineiro” e “Ninguém Segura Caratinga”), ele voltou a demonstrar entusiasmo e satisfação com o resultado da parceria. Enquanto isso, durante quase vinte anos, de mangas arregaçadas, enfrentei resistência e muitos obstáculos, mas consegui, enfim, criar e inaugurar a Casa Ziraldo de Cultura, em 2009. 
     Em 2018 lancei, pela Melhoramentos, o livro ‘Zirado 85 – Ao Mestre Com Carinho’, com páginas ricamente ilustradas apresentando a sua vida e obra, intercaladas com caricaturas de 85 grandes cartunistas do Brasil, entre os quais Maurício de Sousa. O livro teve repercussão nacional, sendo inclusive premiado com o Troféu HQMIX. 
     Gosto de muito aglutinar pessoas em torno de ideias, pensamentos e ver o resultado destas ações coletivas, principalmente na área editorial. No entanto não é uma tarefa fácil. Uma publicação que envolve vários autores lembra uma colcha de retalhos e requer as artimanhas de um artesão. Vai se juntando pedaços que criam situações desafiadoras, de como manter o controle mesmo diante de complicações que se originam à proporção que se vai alinhando peça por peça, até o saber lidar com os mais diversos e adversos perfis de personalidades, costurando um relacionamento distinto para cada um deles. Um emaranhado, como um novelo de linha, vai se formando e, desatar os nós, é o que resta.           Cria-se um grau de exigência que mina as próprias forças e quase sempre dá vontade de desistir no meio do caminho. Em várias etapas, me senti impotente, pois são muitas as variantes que não dependem apenas de minha determinação para recolocar tudo no trilho e dar seguimento. 
    Mas a sensação de sobreviver e de conquistar o que foi traçado é algo totalmente prazeroso e recompensador. Mas agora não é nem tanto por opção e sim por contingência mesmo. O motivo é nobre e a causa é justa: comemorar os 90 anos do SuperZira! 
     Ziraldo é um artista de muita complexidade. Obviamente pela imensidão de seu talento, pela sua produção profícua e pela diversidade das plataformas em que ele exerce a sua sapiência. Algo pra mim difícil de definir e dimensionar. Mesmo assim, convidei uma seleção de cartunistas e escritores para fazer ecoar mais forte o meu coro e encontrei, na Melhoramentos, uma grande aliada para prestar esta homenagem e poder externar toda a nossa admiração ao mestre, em forma de livro. 
     Por isso, mais do que nunca, eu precisei compartilhar e dar a incumbência a tantos outros e a oportunidade de prestar esta homenagem ao multifacetado Ziraldo, reunindo craques dos traços e do texto aos quais sou imensamente grato pela receptividade e colaboração. É difícil e não me sobrou nenhum adjetivo para enaltecer o sujeito. E o que mais eu posso acrescentar depois de ler todos os textos que virão a seguir? 
     O leitor, na certa, vai se deliciar. Mas eu, não tenho palavras... 


EDRA – Elcio Danilo Russo Amorim 
Cartunista, Produtor Cultural e Editor


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